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O primeiro capítulo: Forbidden (Proibido)


Tarde da noite. Um céu completamente aberto tomado por milhões de estrelas. Um brilho ao leste no horizonte acusa que a lua logo deve surgir para iluminar as sombras. Tempo? Ah... sem ideia do tempo, apenas do espaço.


O cronômetro está parado e o tempo é meu prisioneiro. O sono não me sequestra. Estou livre, preso somente aos meus pensamentos. Inquieto, olho as estrelas e o céu magnífico.


Tento organizar meus pensamentos, torná-los compreensíveis, mas viram uma avalanche de ideias e sentimentos, de sonhos e desejos, num turbilhão que me confunde, mas que também me estimula.


Caminho pelas tranquilas ruas da "Velha", meu pequeno bairro, tão acolhedor e tão belo. As ruas estão vazias, o que é inusitado. Avanço por muitas quadras sem passar por um veículo ou uma pessoa sequer. A noite está silenciosa e serena, quase se pode ouvir as estrelas.


Mas o silêncio não é completo. Além do leve barulho de meus passos, ouço ao longe o ritmo inconfundível de "Forbidden". A música pulsa enquanto eu caminho e se envolve aos meus pensamentos. É um sussurro no silêncio e suas notas me fazem caminhar com mais determinação. O som vai se elevando aos poucos e, de repente, surgem outros sons.


Dos cantos mais escuros vem uma sensação, uma vibração. Sons furtivos vão surgindo no meio da música e denunciam a presença de olhares em meio às sombras. A música cresce e se torna um clamor, mas com ela crescem as percepções na noite.


A melodia traz consigo um sentimento de angústia que preenche toda a atmosfera, criando uma tensão. As estrelas ainda estão lá, mas já não se pode ouvi-las.


Sigo caminhando pelas ruas principais do bairro, em direção ao centro da cidade e ao longo do trajeto percebo movimentos nas casas próximas. Ali estão os olhares furtivos, a presença escondida e velada. São testemunhas vigilantes de minha passagem, à espreita, mas, parceiros da escuridão, escondem-se nas sombras. Seus olhares me amedrontam, mas percebo que também estão amedrontados.


Nas janelas, quase posso vê-los, mas permanecem ocultos. "Forbidden" agora toca no volume máximo e sinto minha pulsação acelerada, minha respiração ofegante... Ao meu redor um farfalhar de vozes confusas e nelas um sentimento claro e inconfundível de que muitos desejam me agredir, me calar, me matar talvez, pois sabem que minha pretensão pode lhes afetar, que minha revelação pode lhes tirar a paz.


Acelero meu passo, a música e as vozes vão ficando para trás. A pressão desaparece e volto a perceber o céu estrelado. Agora a majestade da noite já está iniciando seu trajeto celeste sobre a cidade.


É madrugada quando chego ao centro da bela Blumenau. O estranho silêncio e vazio retornam. Nenhum transeunte, nenhum veículo. Apenas o silêncio, o som de meus passos e uma leve brisa que ameniza o calor do vale.


Caminho tranquilamente pela "rua 15", tão majestosa, tão impregnada de história, de clamores do passado, das vozes esquecidas de seus poetas. Vitrines deslumbrantes, luzes, brilhos e muito glamour. A beleza exposta reflete a riqueza de uma cidade, de um povo, de uma tradição.


Mas a música que me conduziu até ali se desfez no silêncio e novamente uma percepção, uma inquietação se inicia. Sinto crescer uma opressão vinda das paredes dos prédios, como se o espaço entre eles se tornasse por demais pequeno, como se as paredes me empurrassem umas contra as outras. Corro por algumas quadras até chegar as escadarias da Catedral e ali busco refúgio.


A torre da catedral está às escuras, o que torna meu refúgio um pouco desconfortável. A construção imponente de pedras está sombria e gelada, como se estivesse abandonada. Os grandes sinos em completo silêncio e a minha frente está São Paulo, olhando em minha direção. A grande estátua do Santo parece me olhar.


O farfalhar de vozes começa novamente, mas não como antes. Agora são vozes de crianças, confusas, distantes. Não consigo entender o que dizem, apenas ouço uma avalanche de vozes angustiadas, vindo das ruas e dos prédios.


E de repente, da direção da estátua de São Paulo vem uma voz forte que diz:


- Siga as vozes, siga a precipitação da majestade da noite!


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